sábado, 31 de agosto de 2013

Seleta de poemas de tempos antigos 1997-2005 - parte I

Alicerce de  palavras

Há muito vem caindo água no meu chope
Mas não se desespere com sua angústia:
Trancafie-se dentro de casa ,
o mundo lhe repugna.
Ontem sonhei que havia uma saída pela tangente:
Se seu pingente de coração não te afeiçoa mais
Dê uma saída com os colegas, arrume-os!
Porque seus amigos (poucos) vão estar melhor acompanhados.

Há muito venho esperando o Brasil crescer no PIB
Mas só nos dois últimos anos vir reparar isto
Sei que você também espera que o próximo trimestre
Venha trazer algum alento em forma concreta
Mas verifique primeiro o estado econômico
do primeiro boteco existente em sua esquina.

Há muito que não dou fé nem na família
Nem no meu lar
Já deixei de acreditar há muito no casamento.
Você, que está ansioso, pode se estrepar
Tudo é mesmo uma questão de amor.
Tem gente que ouve dez discos gospel num dia
Estrala as pregas vocais de tanto cantar
Só que noutra hora atende aos apelos do inimigo
E deslancha para o mal como quem
se esquece da oração introjetada minutos antes
Mas você vive a dizer que quem louva reza em dobro
E lhe vejo pedindo a Deus um castigo pra mim
Não estou certo se é certo pedir castigo para o próximo
Não deve ser um pedido para Jeová,
pois ele só faz o bem.

Mas continue louvando,
que eu vou continuar me sustentando
no alicerce das palavras.


Andel Soares (escrito no começo dos anos 2000)

Furtaram minha bicicleta (publicado em livro)

furtaram minha bicicleta e a esperança
não voltarei pálido para casa
voltarei a pé ou de ônibus
chegarei cansado do mundo cru e horrendo

futaram minha bicicleta e o meu amor
que nunca chegou a ser amado
perdi o transporte e o emprego
que estava sem corrente e sem cadeado

existem peixadas nos empregos, nas agências, nos concursos
menos nas peixarias

meu poema e o povo se distinguem
o povo no poema se contrai
o povo e meu poema me angustiam
somos imensos de sofrimento
estamos de pé e a sorte disto
apenas relaxa a doença implícita

a fila nas repartições numeradas
do "serviço de atendimento ao cidadão"
reflete um pouco o meu desespero
que ainda permanece calmo
como quem espera uma notícia custosa

a burocracia e a vida toda a ser vivida
lidar com pessoas deve ser excelente
quando eu morrer, minha vida
não terá sido uma balada...

Andel Soares (escrito antes de 2005, data exata não acessível)

Um comentário:

  1. Olá, Alberto

    Não pude deixar de experimentar um certo desconforto
    ao ler esse poema. Não que seus versos não sejam bons,
    muito pelo contrário. É que acredito que eles possuem
    mesmo essa faculdade, de apontar para a tortuosidade
    mórbida e cínica dos dias (que insistem em se
    arrastarem como se nada estivesse acontecendo). Quem
    já não teve uma bicicleta furtada sorrateiramente ou
    não? talvez ela nao possua rodas (aro 14 ou 20, sei
    lá), mas nós sabemos exatamente do que estamos
    falando. Parabéns e postarei mais comentários acerca
    dos outros poemas. Um abraço.

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