sábado, 29 de agosto de 2009

Internet de quantidade

Computador em casa não é problema. O problema é ter em casa um computador. Família não cabe em um computador, por mais que a Positivo faça merchandising dos seus PC’s. Aliás, ninguém quer dividir o computador com outro e muito menos com os outros (aquele amontoado de gente dando palpite ao operador da máquina...). Assim como acontece há séculos com o livro de papel (a brochura, a leitura), o momento diante da máquina (seja para leitura, seja para operacionalizá-la) é individual. Por que você acha que os notebooks fazem tanto sucesso? Os interesses das pessoas diante dos computadores são muito diversos e sempre fica sobrando alguém insatisfeito em máquinas compartilhadas dentro do lar.

Suponhamos uma família relativamente grande e de classe “econômica”, com umas cinco pessoas: marido e mulher, mais três filhos em idade escolar. O primeiro transtorno da inclusão digital nessa família será o do tipo de conexão, porque em muitos casos ainda tem sido a pioneira banda estreita: a conexão discada e lenta. Mas esse quadro tem mudado, com a chegada de outras tecnologias de acesso bem mais rápidas e principalmente através da oferta de pacotes acessíveis ao poder aquisitivo das "classes trabalhadoras". O segundo transtorno é o preço que a gente para por TIC. Tudo continua muito caro em termos de acesso à tecnologia e à informação. E não se trata apenas de internet, mas de tudo o que a envolve, direta ou indiretamente. É o que comprova a Pesquisa Sobre o Uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação, de 2008*. De acordo com os dados colhidos, são caros tanto o computador, quanto a conexão à internet para os domicílios. Por fim, o terceiro transtorno: a falta de conhecimento. A ausência de habilidade do brasileiro com tecnologia é considerada a principal barreira, segundo os entrevistados.
Ponderando tudo o que foi dito acima, hoje, em muitos lares brasileiros a questão da qualidade fica bem aquém da quantidade. Refiro-me à qualidade na conexão - óbvio - e não à qualidade do que as pessoas estão acessando na internet . A quantidade de computadores conectados per capita é ínfima e mesmo nos locais onde o computador chega, tal chegada é pouco representativa, já que se dá numa proporção geometricamente inferior à demanda. O resultado disso é que antes de navegarmos na web, precisamos esperar na fila, seja na lan house, seja dentro de nosso lares.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Bíblia Digital

Marco Feliciano inaugurou a era das pregações com Bíblia digital. O nome correto do aparelho é “Bíblia Sagrada Digital” que, além de outros recursos, tem estes: “busca por livro, capitulo e versículo, função marcar, função salve suas leituras para consultas futuras, horários local e mundial”, calculadora e muito mais. Só não tem ainda conexão com a Internet, pode ser que já estejam pensando nisso. Custa em torno de 200 reais. Em 2009, num dos maiores congressos de missões do Brasil, ele introduziu na tribuna o aparelho, que não deve pesar mais de meio quilo, compacto, cabe até no bolso. Tecnologia à parte, a mensagem foi trabalhada pelo Espírito Santo. Feliciano não foi o único a modernizar os púlpitos pentecostais, pois Marcos Gregório, acho que do ministério Apascentar (vi na tv outro dia) já usa notebook nas pregações. O interessante foi que nas vezes em que o vi pregando com o computador,  pr. Gregório parecia consultar com muito rigor os escritos (os digitados) no púlpito, sem prestar muita atenção na platéia, onde com certeza deveria ter alguém que se incomodava com isso tanto quanto eu fiquei ao assistir de casa. Não estou julgando-o por nada, sua mensagem foi trabalhada, tem seu mérito.

A tecnologia parece estar mesmo chegando aos meios evangélicos. A Bíblia digital de Marco Feliciano abre espaço para empreendimentos diversos no setor, mas não é pioneira de nada, a não ser no quesito “equipamentos para pregadores e oradores”. Marco Feliciano, antes, desbravou o mundo da moda para o meio evangélico, ao criar – dizem - a sua grife. No seu site também tem lá um “GMF consórcios", que está na cara que deve ser "Grupo Marco Feliciano consórcios" ou algo muito similar a isso, do setor imobiliário. Não sei qual a participação dele nesses empreendimentos, nem me interessa, pois não estou o condenando por nada, ele está trabalhando, como todo homem que se preze.

Prosseguindo nosso passeio sobre tecnologias digitais no meio evangélico, podemos afirmar também que sites da Internet já se tornaram comuns, porque muito obreiro tem usado a rede mundial para auxiliar no ministério. Entretanto, algumas adaptações para o meio cristão soam estranhas ainda para os meus ouvidos neófitos. Algumas dessas adaptações beiram ao ridículo que só Deus para ter misericórdia: balada evangélica, alguns chats de "namoro evangélico" e o que eu nem tenho conhecimento ainda, mas que com certeza em algum lugar já estão fazendo de adaptação.

Quando essas coisas contribuem para o bem daqueles que amam ao Senhor, que sejam bem vindas! Pode ser o caso da Bíblia Digital, ainda que soe nesse começo de implantação um tanto o quanto pedante por demais, seja ela usada por Marco Feliciano ou por qualquer outro pregador. Pode ser o caso do chat, mas precisaria conhecer mais a fundo o sistema, no que também não estou interessado neste momento. Talvez seja só uma questão de acomodação das massas, levará um tempo para absorvermos tudo isso. O problema é quando essas inovações mascararam intenções escabrosas de desvio de conduta cristã, algo totalmente incompatível com o que está escrito na Bíblia. Com isso, fique bem claro, não estou atribuindo à obra missionária e empresarial dos pregadores nenhum caráter pejorativo ou maligno. Só estou atentando para o fato de que nem tudo o que absorvemos como inovador se torna necessariamente edificante do ponto de vista espiritual. Nessa seara, como em tudo na vida cristã, tem um papel fundamental a nossa vigilância.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Diários

"Roteiros. Roteiros. Roteiros” (Oswald de Andrade).


”Roteiros. Roteiros. Roteiros” (Oswald de Andrade).

Por sete anos escrevi diários. Tinha até uma marca “registrada” em cada caderno: “O diário esparso”. Devo ter tirado esse nome de alguma publicação literária lida. Como todo o resto da humanidade que se interessa por isso, a proposta era descrever a maioria dos momentos da vida, desde que os considerassem dignos de serem relatados para a posteridade. Peguei fases importantes nesse tempo, mas dá preguiça de resumir, pois soam tão ridículos hoje....

Nos últimos dois anos finais a produção do diário foi decrescendo, decrescendo, tornou-se esporádica e hoje desapareceu por completo. Este texto pode ser considerado o meu último no gênero diarístisco, se é que podemos classificar assim. Os cadernos foram ficando amarrotados, mal guardados que foram, enfrentaram mudanças de casa, mudanças climáticas e não resistiram à destruição: acabaram sendo destruídos pelo fogo.

Já não é simplesmente o ritmo de vida que levo o fator que me levou à perda do estímulo de escrever diários. Foi a consciência do escriba diante da folha de papel que mudou. Primeiro, pela questão da própria modernidade: o comportamento das pessoas foi sensivelmente transformado quando elas são colocadas diante de duas opções: o papel e caneta, de um lado; o computador, de outro. O armazenamento de informações na estante ou no quarto dos fundos perde cada vez mais espaço para o armazenamento no computador. Os processadores de texto estão cada vez melhores, há uma série de opções, tanto pagas quanto gratuitas (vide pacote Office, da Microsoft e o Open Office, por exemplo). Se o computador estiver conectado à Internet, pronto, mais um estímulo a pararmos de escrever muitas e muitas linhas e passarmos a digitar apenas o essencial para estabelecer uma comunicação rápida e, principalmente, instantânea com a outra pessoa do outro lado da “linha”. Com a computação em nuvem (cloud computing) mais uma facilidade alcançada: você não precisa mais armazenar seus dados - pelo menos o que você achar que não sejam comprometedores, no que se refira ao sigilo pessoal - no Desktop Pessoal ou Notebook. Deixe salvo em algum repositório da web, que pode ser até mesmo o espaço de armazenamento da sua conta de e-mail, para ficar na mais elementar forma de “computação em nuvem”, talvez a mais atuante até mesmo antes dessa onda cloud ser tão propalada. E mesmo se seu problema for o sigilo de dados, a criptografia pode ajudar a manter suas informações em segredo. Bem vindo à Web 2.0! Bem vindo também à Web 3.0, que também está sendo difundida!

Mas não posso culpar a internet pelo meu desapego aos diários escritos a mão. A naturalidade com que se processou essa ruptura deixou em mim a certeza de que outros gêneros literários farão mais sentido do ponto de vista social e ideológico e principalmente religioso. nem os diários eram mais importantes, como eu já não sou o mesmo e as coisas velhas ficarão para trás. Eis que tudo agora se fez novo.

Afinal de contas, tirando filólogos e historiadores quem mais se interessaria pela dissecação da vida manuscrita de outrem, ainda mais quando esse outrem é anônimo?


segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Um pouco de lógica euclidiana onde a tecnologia ainda não chegou


Saí da Bahia pela primeira vez há três dias. Estou no interior do Estado do Ceará. Riacho Verde. Televisão aqui é mais ou menos como um enfeite na estante. Só é ligada à noite e não até muito tarde, porque o povo dorme cedo. Cada casa tem uma parabólica. O que irônicamente é até um artigo de luxo em Feira de Santana aqui é artigo de extrema necessidade, porque sem ela ninguém pode ver televisão direito. Trouxe meu radinho de pilha para conhecer o sotaque radiofônico da região, mas foi em vão, não capta estação alguma por aqui, em meio a tantas montanhas ao meu redor. Trouxe dois celulares GSM, só um pegou, e mesmo assim, se andarmos cerca de um quilômetro, pegando uma estrada de chão, subindo a um local de maior elevação, digamos, “geológica”. Só um pegou e mesmo assim, precariamente. Formas de economia aqui, isso tem e são exemplares para os homens da cidade grande. A água chega através de um bombeamento elétrico que vai captá-la em uma cisterna um pouco longe daqui. Essa água é armazenada em baldes grandes e é usada para tudo, do beber ao tomar banho. Enquanto isso, gastamos água com superfluidades nas cidades!!! Outro exemplo de economia para subsistência: garrafas pet e tonéis armazenam o milho e o feijão colhidos aqui. Trata-se, logicamente, da estratégia abençoada de José do Egito: guardar os mantimentos que forem possíveis para a época de hostilidade climática. Por fim, também se economiza sabiamente aqui o gás de cozinha, usando-se o bom e velho forno a lenha.

Mas op que importa de tudo isso é consolidação do que eu não vislumbrava. Estar em Riacho Verde, depois de uma vida inteira sem aproximação, é uma vitória. Terra dos meus avós e terra de meu pai. Não deu tempo de conhecer a avó, que faleceu no começo do ano, somente o patriarca da família, homem acostumado ao ambiente, rústico, sem luxos, tipicamente um forte cearense do interior.

Por falar em forte, ocorre-me lembrar do clichê do Euclides da Cunha, que diz que o sertanejo é antes de tudo um forte. É um lugar comum, mas sintetiza bem este momento. Precisou eu viajar mais de horas de ônibus para que começasse a entender essa lógica do Euclides da Cunha. Só mesmo tendo uma resistência descomunal para os tornarem tão pacientes, tão esperançosos, tão abnegados de certas comodidades das cidades centrais. É um tipo de renuncia para a qual muitos de nós não estão preparados, inclusive este escriba.

(Riacho Verde, janeiro de 2009)

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Exemplo de estratégia publicitária: a "fé" inteligente do bispo


“Então, já não seremos crianças, jogados pelas ondas e levados para cá e para
lá por qualquer vento de doutrina, presos pela artimanha dos homens e pela
astúcia com que eles nos induzem ao erro” (Carta de Paulo aos Efésios, cap. 4, vers.
14, Bíblia Sagrada, edição pastoral da Paulus)
Outra noite um conhecido bispo neopentecostal” de uma igreja brasileira comentou João 4.24 em seu programa diário numa rede de rádio. Com a objetividade no sermão de sempre, que é sua marca, disse que Deus não é uma pessoa, nem uma mulher, mas é Espírito. Até aí tudo bem. Só que ele disse isso com um tom de quem disponibiliza para seu público uma grande revelação, chegando a dizer que “a gente não sabia disso” (leia - se nós, porque ele já sabia...). Depois explanou a sua interpretação da segunda parte do citado versículo. Discorreu sobre o texto bíblico com aquela mesma linha de raciocínio que faz questão de pouco modificar ao longo dos seus anos de ministério universal: com a eloqüência que lhe é peculiar, ratificou a mesmice dos conceitos que tem sobre fé, inteligência e razão na vida do cristão da teologia da prosperidade. A repercussão dessas mensagens em seu próprio ministério é algo notável, pois com certeza em poucas horas os pastores liderados vão repeti-las, praticamente com idênticas palavras, algo já mecanizado. Com um bispo e um aparelho de comunicação desses, para que fazer reunião de ministério, se toda a orquestra já está afinada a distância? O sistema de ensino via rádio e TV - na modalidade EAD - liderado pelo bispo funciona muito bem, obrigado.
Mas voltemos ao versículo de João, segundo o bispo. Ele disse que os cristãos precisam adorar a Deus em espírito, ou seja, adorá-Lo com e pela fé, mas também – aí sim! – adorá-Lo em verdade, isto é com a razão, usando a “fé inteligente”. Inferência imediata que podemos tirar dessa lição episcopal: todo crente que tem uma fé em Deus diversa da que o bispo prega é uma fé burra ou, no mínimo, ignorante. Por outras palavras, o crente que persevera no aprendizado da Palavra, entende que passar por provação - deserto/vale/dias maus - é algo inerente à sua vida na terra (“no mundo tereis aflições (...) tende bom animo...”), mas leva uma vida no altar, permanecendo firme nas promessas de Jesus, simplesmente tem uma fé ignorante. Não se pode, segundo ele, agir com a emoção ou o coração em matéria de fé, pois somente a fé racional e inteligente faz com que as “grandezas de Deus” sejam concretizadas na vida do cristão. Para ele, se nosso Deus é um Deus grandioso, dono do ouro e da prata, ninguém deve viver uma vida de pobreza, de miséria, porque isso não é justo. Quando cumprimos a nossa parte com Deus, Ele é obrigado a cumprir a Sua, nos dando uma vida com abundância, expressão muito cara a esse pregador. Um dos “cultos” em que mais se enfatiza essa visão é o da prosperidade (que, a depender da denominação, pode levar nomes como “nação dos 318”, “corrente da prosperidade”, “reunião com os empresários”, “corrente dos 70 apóstolos”, etc). Nesses cultos, a pessoa sai com pelo menos uma convicção: se é pobre, se está na miséria, se está endividado, etc. é porque está com a vida errada diante de Deus, não vem sendo fiel a Ele. Ademais, nota-se nos últimos anos, em cultos como esses, que o discurso do teólogo da prosperidade vem se metamorfoseando de tal forma, que chegamos a pensar que se encontra em processo acelerado de “sincretismo”, se é que se pode caracterizá-lo assim. Afinal, o que pensar de um discurso constituído basicamente pela incorporação de clichês filosóficos, científicos e empresariais ao campo sagrado das coisas espirituais? Talvez esse remanejamento discursivo tenha sido provocado pelo exacerbado interesse evangelistico voltado para o público potencialmente empresarial, que é a classe em que melhor se observa a materialização das “grandezas de Deus”, na acepção da teologia da prosperidade. O tipo de fé que certos pastores de grandes rebanhos defendem é uma fé de resultados. Mal comparando, seria mais ou menos isto: assim como as empresas trabalham com vistas à obtenção de balanços positivos, numa busca pelo equilíbrio entre o custo e o benefício para agradar aos investidores, na otimização de serviços, os adeptos da teologia da prosperidade trabalham em prol do sucesso material, alcançado graças a uma fé inteligente num Deus que tudo pode fazer na terra, no tocante à vida financeira. É um tipo de fé prática, eficiente, uma fé com padrão ISO 9000. Se fosse um programa de pós-graduação em fé inteligente, levaria nota máxima da CAPES. Todos os aparelhos de comunicação dessas igrejas engajadas nessa corrente atuam na quase perfeita harmonia para esses fins, que nem sempre têm os meios justificados.
Antes que me perguntem, não tenho absolutamente nada contra o referido bispo, até admiro muito o seu trabalho missionário, pois não se pode negar que muitas vidas foram e continuam sendo ganhas para Jesus ao longo de décadas de ministério. Fui praticamente criado assistindo aos cultos de igrejas desse tipo, já que alguns de meus familiares são membros delas, desde que tinha meus seis ou sete anos de idade. Foge da minha alçada e da minha competência dissuadir qualquer cristão de sua crença. Também sou cristão e tenho as minhas. Amparado no direito constitucional da liberdade de crença, de religião e de expressão, apenas tentei expor os fatos da maneira como os interpreto, da mesma forma como não só o bispo neopentecostal, mas qualquer pessoa que queira poderá também fazê-lo, tanto no que se refira aos textos bíblicos, quanto a qualquer outra enunciação, de qualquer natureza. Mas assim como o bispo defende a sua fé, precisava também defender a minha. E percebi que a minha não se encaixava no padrão doutrinário de fé formulado pelo teólogo para a sua igreja.
E você leitor, onde se encaixa a sua fé?