domingo, 29 de junho de 2014

Mínima filosofia das filas

Não vou afirmar categoricamente qual é o pior tipo de fila. É essencialmente difícil ter essa dimensão, porque depende do momento. Por exemplo, para quem espera por uma cirurgia de transplante de órgão, essa é a pior fila do mundo. Quem estiver no corredor da morte certamente conta os dias como nunca precisou contar em toda a sua vida.

Para mim, que escrevo estas enfileiradas palavras, a pior está sendo  dos bancos. Independente da senha que a pessoa pegue, a prática desses estabelecimentos é nos prender dentro deles por pelo menos uma hora, só para nos pirraçar, como se dissessem assim: "agora, você sabe quem é que comanda a sua vida!" Os bancos consomem nosso pouco ou muito dinheiro, minam o nosso precioso tempo muitas vezes já apertado e muitas vezes parecem fazer de tudo para tornar a nossa vida a pior possível.

É inútil reclamar. O atendimento não muda. Parece mesmo o Brasil, onde as coisas, principalmente, os vícios de atraso de vida não mudam. Talvez a nossa única evolução seja mesmo o futebol, fato que fica tão evidenciado em momentos de copa do mundo. Os bancos têm tantas mesas disponíveis, mas neste momento, por exemplo, só trabalham dois funcionários! Sei que nos hospitais, neste mesmo momento, tem gente em filas piores do que a minha, de duas, três, quatro horas sem solução, mas infelizmente o ser humano tende a olhar para o seu rabo, sempre e sempre.

Infelizmente, as filas têm um duplo sentido: fazem falta e fazem raiva. Como também servidor público que sou (igualzinho a esses funcionários da Caixa, embora não pareça), sei que as filas são essenciais pra a manutenção organizacional do mundo. Geralmente, temos alguma espécie de fila em tudo: até mesmo para se conquistar alguns motivos de orgulho, de certa forma, temos que entrar na fila. É assim nos concursos, é assim na igreja, é assim na política, é assim nos negócios, é assim na indústria, é assim no capitalismo, é assim na humanidade.  A burocracia depende das filas, e falo burocracia no sentido positivo da palavra, porque todo brasileiro está acostumado demais a depreciar a burocracia.

O que também não posso negar é que, por outro lado, as filas são uma das instituições mais capazes de nos irritar. Sempre que encontro-me numa fila, vejo que meus companheiros de fila e eu acabamos tendo mais a exata noção sobre como é de fato o funcionamento das coisas deste país. É nas filas que temos mais capacidade de falar das nossas mazelas gerais, algumas delas históricas, insolúveis: segurança pública, saúde, corrupção na política e, é claro, os maus tratos dos bancos para com seus clientes. Todos nós nos fazemos de vítima.

A irritação de se pegar uma fila no banco é interessante: nós, clientes, nos tornamos capazes de nos irritar com a simples troca de gracejo entre um funcionário e outro, como se eles estivessem sentindo prazer com nossa falta de paciência. Somos tentados sempre a entender que eles estão naquele momento tirando sarro de nossa cara de otários. Embora não seja isso que na verdade eles estejam sentindo, coitados dos funcionários...

Quando eu morrer, acho que gostaria que pusessem alguma frase em meu epitáfio, que mencionasse a palavra "fila". Algo do tipo: "Foi feliz, amou na vida, sonhou, pegou muita fila e hoje está aqui, na última fila - da qual ninguém pode se recusar a entrar e esperar."