sexta-feira, 24 de julho de 2009

Publicidade não-intencional na era da web

Vamos fazer agora uma suposição: imagine que a rede Globo tenha mudado diametralmente a sua filosofia de marketing e merchandising e certo dia a gente liga a TV e se depara com um entrevistado dizendo o seguinte para a repórter:

[Situação: a repórter está ao vivo numa rua da cidade do Rio de Janeiro, a pauta da reportagem versa sobre a grande sacada de um singular vendedor ambulante de pamonhas descoberto pela produção, a propósito de uma serie de reportagens sobre “empreedendorismo alternativo” veiculada nos noticiários da emissora. Tudo já foi devidamente editado e esta é a versão que vai ao ar]

REPORTER (R): Como o senhor inventou esse serviço de pronta entrega?

JOÃO DA PAMONHA (JP): Olha, senhora, eu acordei um dia meio cansado de trabalhar pros outros, fui até um bar na esquina da minha rua, antes de seguir pro trabalho, pedi uma tubaína Malukinha e fiquei observando os vendedores de lanches que eu encontrava ao longo do trajeto de casa até o trabalho, nas lojas Machado & Silva Atacadistas LTDA. Aí, fui percebendo que muita gente gostava de comer pamonha de manhã, porque uma padaria vendia e o povo fazia uma fila maior do que a do pão pra comprar. Então eu pensei que uma pamonhinha de manhã regada com um bom Nescafé com Leite Catuí não era nada mal. Daí, eu mudei de idéia, fui com a minha Caloi velhinha até uma loja, gastei o que eu tinha na poupança comprando um pequeno Reboque da Texas, coloquei nesse reboque três bocas de som Bosch que eu usava na estante de casa, tudo ligado numa bateria Moura de 12 volts que também já tinha em casa, gravei uma cantiga de vendedor de pamonha com café com leite e saí pelas ruas da minha redondeza. Não é que o negócio deu certo? Hoje eu entrego a mercadoria aos fregueses certos, porque é tudo encomendado.
R: O senhor é quem prepara as pamonhas?

JP: Não, eu já compro feitas, só preparo as garrafas térmicas com água quente e levo três vasilhas, uma com Nescafé (porque ninguém quer café solúvel Maratá, Santa Clara ou Sobesa), uma com açúcar cristal da boa e outra vasilha com leite em pó.

R: E as pamonhas?

JP: Ah, sim, as pamonhas eu compro da minha tia Elimara, que mora bem ali... [ele aponta o dedo e a repórter vira o rosto para olhar, lendo o que estava na fachada]

R: “Pamonhas da Hora”???

JP: É sim, é o nome da pronta-entrega dela. Agora repare no resto do letreiro...

[a repórter lê em voz alta o que vê no letreiro, que era o seguinte:

“PAMONHAS DA HORA
PECA JÁ A SUA PELO MSN pamonhasdahora@hotmail.com
OU PELO TELEFONE 8100-0885 (LIGAÇÃO GRATUITA SE FOR DE CLARO PRA CLARO)
ATENDEMOS DOMINGOS E FERIADOS E ENTREGAMOS EM DOMICÍLIO”


Tudo isso pode ser demais para um dia só. O telespectador a essa altura já mudara de canal, irritado. Pois é mais ou menos isso que ocorre na internet desde que ela se tornou o que é hoje. Essa publicidade que chamo aqui de “não-intencional” é algo rotineiro na rede, pelo menos durante a navegação em páginas onde a colaboratividade ou a interatividade é potencializada ao máximo (fóruns, comunidades, chats, etc) que é quando não existe o dedo repressor de alguma empresa proprietária, independente do segmento que ela explore. É comum se navegar, por exemplo, em sites de relacionamento como o famoso Orkut, da gigante Google (olha a propaganda não-intencional!) e termos acesso a comunidades (ou mesmo registros individuais de usuários) voltadas para a defesa ou execração pública de determinada marca/produto/empresa/instituição. Diferentemente da televisão, na internet ninguém se assusta quando descobre que existem pessoas engajadas em defender suas preferências. Algo como “Eu odeio o creme dental Contente” ou “Nós usamos Windows Vista Home Premium Original” não soa desagradável para quase ninguém. O melhor é que nem sempre esse tipo de merchandising meio às avessas deprecia ou provoca perda de mercado significativa para as empresas, desde que ela esteja conectada e atenta. Em muitos casos, a Internet se torna um braço estendido dos seus setores de controle de qualidade, levando-as ao aperfeiçoamento, para satisfazer melhor os clientes, tanto os potenciais quanto os reais. Em se tratando de mercado consumidor na Web, clientes virtuais têm 80% de chances de se tornarem clientes reais. Isso só é meia verdade para a publicidade através de spam, que exaure a paciência de todo internauta. Da próxima vez que uma companhia qualquer pensar na hipótese de se aproveitar da boa vontade do consumidor, ela deve se lembrar de que esse novo modelo de marketing colaborativo e não-intencional está on line, e preparado para o embate – circunstância a qual nem TV, nem rádio, nem jornais e revistas estão ainda aptos para enfrentar.