domingo, 19 de abril de 2015

O lugar do idoso

Tenho uma nova vizinha na melhor idade, que vive atualmente só. É uma simpatia para com a minha filha mais nova, é uma ex-professora, que até se interessou por fazer uma tabuada para ela e ensinar matemática, nos moldes que ela conhece:nada de calculadora ou celular.   O filho dessa senhora morreu há três anos de um câncer agressivo, a outra filha mora em outra cidade.  Não sei descrever a sensação de solidão, não sei o que se passa na cabeça dela. Julgo ser terrível a solidão...
Fomos para um passeio, um sítio de amigos novos, tinha muita gente de família, mas uma senhora era a diferença: a única pessoa na melhor idade da família. Ela estava passando pela mesma solidão, apesar de todo respeito dos netos e dos filhos.  Eu não saberia descrever o que se passava na cabeça dela. Seria a mesma solidão?
Felizes essas duas senhoras, pois pelo menos suas famílias ainda as acolhem (pelo menos do ponto de vista físico). Mas o lugar do idoso numa família tem sido uma coisa preocupante para mim.
Tenho dito que não esperarei reconhecimento de filhos quando eu chegar na melhor idade, nem de outras pessoas.  Hoje a sociedade somente dá valor ao valor que as pessoas pode gerar, durante a tal da vida produtiva.
O que será daquelas duas senhoras nos próximos anos das suas vidas?

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Coisa de passageiro

No universo de um ônibus coletivo é que você percebe o poder da solidão.  Cada um de nós, passageiros, exercendo o nosso atributo miserável de nossa própria individualidade,  da forma mais ou menos civilizada possível. Há ônibus em que o motorista ou o cobrador têm a sabedoria de ligar o som para ouvir músicas. Acho uma boa, independente do tipo de música, pois ela nos permite ter acesso a essa válvula de escape tão necessária hoje, para desfrutarmos o prazer de sentir algum tipo de epifania nesta selva urbana.
As pessoas com seus olhares, fazendo gestos de que nunca estiveram olhando umas para as outras;  os nossos gestos oriundos de uma educação metida a polidez; e nossas idiossincrasias presas entre as frestas, por onde conseguimos talvez respirar melhor...
Um ônibus chega ao ponto, abre-se a porta dos fundos, as pessoas descem, de repente a cobradora dá sinal para o motorista fechar o fundo, só que ainda tinha uma mulher descendo. A porta se fecha e a mulher fica com um braço preso entre as duas bandas da porta.  O motorista reabre o acesso,  a mulher desce calmamente,  mas aí ela se dirige à porta da frente e diz:
- Motorista, você é um pai no c...!!!!
E ela sai soltando mais descompostura, muito brava.
Isso é uma cena comum nesse cotidiano conturbado de pegar ônibus coletivo. No meio público,  aqueles que são dados à descompostura verbal soltam ainda mais os seus cachorros. Já outras, mais dadas à expressão passiva e mansa como eu, ponderam as coisas da vida, em pensamentos, em frases sintéticas sobre a condição humana ou mesmo em uma crônica como esta.
Para encerrar está conversa, acho que uma das palavras mais acertadas do português para se referir a nós que pegamos transporte coletivo é "passageiro". A gente pega a condução,  fica naquele aperto,  às vezes chega uma catarse pela música que toca, e pronto: tudo passa em minutos.  Era só uma coisa de passageiro.  Foi só uma coisa passageira...