segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Um pouco de lógica euclidiana onde a tecnologia ainda não chegou


Saí da Bahia pela primeira vez há três dias. Estou no interior do Estado do Ceará. Riacho Verde. Televisão aqui é mais ou menos como um enfeite na estante. Só é ligada à noite e não até muito tarde, porque o povo dorme cedo. Cada casa tem uma parabólica. O que irônicamente é até um artigo de luxo em Feira de Santana aqui é artigo de extrema necessidade, porque sem ela ninguém pode ver televisão direito. Trouxe meu radinho de pilha para conhecer o sotaque radiofônico da região, mas foi em vão, não capta estação alguma por aqui, em meio a tantas montanhas ao meu redor. Trouxe dois celulares GSM, só um pegou, e mesmo assim, se andarmos cerca de um quilômetro, pegando uma estrada de chão, subindo a um local de maior elevação, digamos, “geológica”. Só um pegou e mesmo assim, precariamente. Formas de economia aqui, isso tem e são exemplares para os homens da cidade grande. A água chega através de um bombeamento elétrico que vai captá-la em uma cisterna um pouco longe daqui. Essa água é armazenada em baldes grandes e é usada para tudo, do beber ao tomar banho. Enquanto isso, gastamos água com superfluidades nas cidades!!! Outro exemplo de economia para subsistência: garrafas pet e tonéis armazenam o milho e o feijão colhidos aqui. Trata-se, logicamente, da estratégia abençoada de José do Egito: guardar os mantimentos que forem possíveis para a época de hostilidade climática. Por fim, também se economiza sabiamente aqui o gás de cozinha, usando-se o bom e velho forno a lenha.

Mas op que importa de tudo isso é consolidação do que eu não vislumbrava. Estar em Riacho Verde, depois de uma vida inteira sem aproximação, é uma vitória. Terra dos meus avós e terra de meu pai. Não deu tempo de conhecer a avó, que faleceu no começo do ano, somente o patriarca da família, homem acostumado ao ambiente, rústico, sem luxos, tipicamente um forte cearense do interior.

Por falar em forte, ocorre-me lembrar do clichê do Euclides da Cunha, que diz que o sertanejo é antes de tudo um forte. É um lugar comum, mas sintetiza bem este momento. Precisou eu viajar mais de horas de ônibus para que começasse a entender essa lógica do Euclides da Cunha. Só mesmo tendo uma resistência descomunal para os tornarem tão pacientes, tão esperançosos, tão abnegados de certas comodidades das cidades centrais. É um tipo de renuncia para a qual muitos de nós não estão preparados, inclusive este escriba.

(Riacho Verde, janeiro de 2009)